[A]Linha neste filme: “Detachment”
Entrevista: Diogo Carreiras e Daniel Seabra falam sobre solidão e o filme “Detachment“
A segunda sessão do ciclo de cinema [A]Linha neste filme, teve lugar no dia 6 de Abril no auditório Salgado Zenha. A exibição do filme “Detachment” foi o mote para uma discussão e reflexão sobre a solidão e a importância que as relações humanas têm na nossa vida. Diogo Carreiras e Daniel Seabra, psicólogos, foram os oradores do debate. Em entrevista à SOS Estudante responderam a algumas questões sobre o filme e a problemática que ele aborda.

Diogo (à esquerda) e Daniel (à direita) foram os oradores presentes na 2ª sessão do ciclo de cinema [A]Linha neste filme, organizado pela SOS Estudante, que aconteceu no passado dia 6 de Abril
O filme “Detatchement” aborda a solidão e a importância que os outros têm na nossa vida. De que forma é que este ilustra a realidade da sociedade em que vivemos?
Diogo – Vivemos numa sociedade cada vez mais competitiva, onde se constroem muros em vez de pontes. Parece que o ritmo alucinante das semanas, os objetivos a cumprir, os horários estipulados, os deveres e tarefas de todos os dias nos afastam da nossa natureza: a de que precisamos todos uns dos outros. Mais do que de forma instrumental, precisamos emocionalmente de nos ligarmos aos outros. Porque estar com as pessoas não chega! É necessário ligarmo-nos, criarmos laços, conhecer o que os outros são e mostrarmos o que somos. Penso que cada vez mais se tem esta consciência, a de que precisamos de ter amigos, relações de proximidade e segurança. É esta rede de suporte que nos permite arriscar, que nos permite sair da zona de conforto e lançarmo-nos no trapézio, pois caso algo corra mal, temos quem nos ajude, temos uma rede que não nos deixa cair no chão.

Daniel Seabra, Psicólogo, formado na área de intervenção cognitivo-comportamental, tem ainda formação em terapias de 3ª Geração e regulação emocional
A personagem principal do filme, o professor Henry Barthes não cria laços com ninguém. No vosso entender, o que é que leva as pessoas a tornarem-se assim?
Daniel – Há um conjunto de fatores que podem levar as pessoas a tornarem-se a assim. Talvez se possa reduzir às experiências passadas (e continuadas) de perceção de abandono e negligência dos laços. Se crescermos com modelos relacionais disfuncionais, como aprenderemos a criar laços? Se crescemos a sentir-nos constantemente desvalorizados, «abandonáveis» como podemos sentir que alguém nos pode amar?

Diogo Carreiras, Psicólogo, formado na área de intervenção Cognitivo Comportamental, tem experiência clínica com perturbações da personalidade, ansiedade e humor
Quando viram o filme pela primeira vez que mensagem retiraram? O que pensaram ser importante transmitir ao público?
Diogo – A solidão é o grande mote do filme. Seria incontornável não falar sobre ela. Mas mais do que apontar a problemática, é apresentar algumas soluções. Perceber causas, encontrar os mecanismos que estão a manter os problemas, e atuar. A mensagem que achei mais importante transmitir é a de que sozinhos não conseguimos ser felizes. Os outros são essenciais na nossa construção enquanto pessoas, na compreensão de problemas, na aprendizagem de novos pontos de vista, no sentimento de segurança e proteção. Não temos de enfrentar os nossos problemas completamente sozinhos! É importante que as pessoas entendam que não há mal nenhum em ter problemas, todos temos problemas! Todos temos questões difíceis de resolver, todos temos ansiedade e todos ficamos tristes. As pessoas importantes na nossa vida são essenciais para ultrapassarmos problemas.
Durante a sessão o serviço público de saúde foi falado, sendo sublinhado que tem poucos profissionais de psicologia no ativo. Como olham para a saúde mental e a psicologia em Portugal?
Daniel – A saúde mental em Portugal é mais um serviço vítima da crise económica. Ainda para mais tão vítima do estigma. Se temos um problema nos ossos, vamos ao ortopedista; se temos um problema de olhos, vamos ao oftalmologista; se não nos sentimos bem (emocionalmente), vamos ao psicólogo. Ou deveríamos ir, porque a lógica é exatamente a mesma. Mas Portugal não vê assim a saúde mental. Curioso que «tão vítima» (da crise, do estigma) quando na volta o que promovemos é o inverso.
Qual poderá ser o impacto do apoio psicológico para uma pessoa que como o Henry, se sente só?
Diogo – O apoio psicológico poderia contribuir para aumentar o autoconhecimento de Henry e para lhe dar estratégias mais funcionais de viver no dia-a-dia. Embora, aparentemente, seja o professor mais funcional, nota-se que existem várias questões por resolver, sobretudo no que toca à ligação afetiva. O apoio psicológico poderia ser fundamental para trabalhar estas problemáticas, conseguir compreender melhor as causas e, sobretudo, ajudar Henry a definir caminhos importantes para si, para seguir uma vida valorizada e aprender a estabelecer relações significativas, mesmo que com ansiedade ou receios. As emoções não nos impedem, obrigatoriamente, de tomar ações essenciais à nossa realização pessoal!
Fazendo um balanço, que conclusões retiram desta sessão de cinema e debate? Qual acham que é a importância da abordagem das temáticas presentes neste filme, na atualidade, entre a comunidade estudantil e o público em geral?
Daniel – Achei a iniciativa muito boa. E honestamente fiquei contente por ver a sala cheia. Por saber que há quem se interesse pela cultura. Podemos aprender tanto com ela! Nem que seja a vermo-nos em personagens de filmes e refletir. Acho útil porque estes debates fomentam a discussão, a reflexão sobre temas importantes. E lugares-comuns. É produtivo a interpartilha entre estudantes e o público em geral.
Entrevista: Liliana Pedro Estudante de Jornalismo e Comunicação e Colaboradora da SOS Estudante
Fotografia: João Marques Estudante de Informática de Gestão e Colaborador da SOS Estudante